Compreendendo o Discipulado
Introdução
A proposta deste estudo é explorar a compreensão do discipulado conforme delineado por Dietrich Bonhoeffer em sua obra seminal "Discipulado" ("Nachfolge"), focando especificamente nas noções de "graça barata" e "graça custosa". Será também analisado o chamado ao discipulado conforme registrado nos Evangelhos de Mateus e Lucas, contextualizando esses conceitos dentro da estrutura teológica bonhoefferiana.
1. Conceitos Fundamentais: Graça Barata vs. Graça Custosa
Bonhoeffer introduz um dos conceitos mais desafiadores e provocativos de sua teologia em "Discipulado" ao contrastar "graça barata" ("billige Gnade") e "graça custosa" ("kostbare Gnade"). A "graça barata" é descrita como:
"Graça barata é a pregação do perdão sem exigir arrependimento, batismo sem disciplina eucarística, comunhão sem confissão. Graça barata é graça sem discipulado, graça sem a cruz, graça sem Jesus Cristo, vivo e encarnado." (Bonhoeffer, 1937, p. 43)
Em contraposição, Bonhoeffer descreve a "graça custosa":
"Graça custosa é o tesouro escondido no campo; para obtê-lo, o homem se desfaz alegremente de tudo o que possui. É a pérola de grande valor pela qual o mercador dá todos os seus bens... É o chamado de Jesus Cristo que faz o discípulo deixar suas redes e segui-lo." (Bonhoeffer, 1937, p. 45)
Esses conceitos são cruciais para entender a crítica de Bonhoeffer ao cristianismo que não exige transformação e comprometimento profundo. A graça, para Bonhoeffer, não pode ser barata porque custou a vida do Filho de Deus, e, portanto, exige uma resposta igualmente séria e comprometida do crente.
2. O Chamado ao Discipulado
O chamado ao discipulado é um tema central em "Discipulado". Bonhoeffer interpreta o chamado de Jesus aos seus primeiros discípulos como um exemplo paradigmático do que significa seguir a Cristo. No Evangelho de Mateus, Jesus declara:
"Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E certamente estou com vocês todos os dias, até o fim dos tempos." (Mateus 28:18-20, NVI)
Este mandamento final de Jesus não é apenas uma comissão para os apóstolos, mas uma convocação universal para todos os cristãos. Bonhoeffer argumenta que o discipulado não é uma escolha opcional para o crente, mas uma exigência intrínseca da fé cristã.
No Evangelho de Lucas, Jesus apresenta o custo do discipulado de maneira explícita:
"Se alguém vem a mim e não odeia seu pai e mãe, sua esposa e filhos, seus irmãos e irmãs, e até a própria vida, não pode ser meu discípulo. E aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo." (Lucas 14:26-27, NVI)
Este texto é interpretado por Bonhoeffer como uma advertência contra um compromisso superficial. O discipulado exige uma renúncia radical, onde todas as relações e ambições pessoais são subordinadas à lealdade a Cristo.
3. Implicações Práticas do Discipulado
Bonhoeffer não se limita a uma análise teórica do discipulado, mas insiste em suas implicações práticas. O verdadeiro discipulado envolve uma mudança de vida tangível, caracterizada pela obediência a Cristo. A obediência é vista como um ato de fé e um sinal visível do compromisso do crente:
"Somente aquele que crê é obediente, e somente aquele que é obediente crê." (Bonhoeffer, 1937, p. 69)
A obediência a Cristo manifesta-se através de ações concretas que refletem os ensinamentos e o exemplo de Jesus. Isso inclui amar o próximo, perdoar os inimigos e viver de maneira justa e misericordiosa.
Conclusão
A compreensão do discipulado segundo Dietrich Bonhoeffer, conforme apresentado em "Discipulado", exige uma resposta radical e comprometida dos crentes. O contraste entre "graça barata" e "graça custosa" destaca a seriedade do chamado ao discipulado e a necessidade de uma obediência que transforme a vida. Analisando os textos bíblicos de Mateus 28:18-20 e Lucas 14:26-27, torna-se evidente que o discipulado é uma exigência central da fé cristã, demandando uma renúncia e uma obediência que se manifestam em ações práticas, desafiando os crentes a reconsiderarem o que significa seguir a Cristo, não como uma mera adesão intelectual, mas como uma jornada de transformação contínua e sacrifício pessoal, refletindo a graça custosa que nos foi dada.
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