“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz, para a casa de meu pai, então, o Senhor será o meu Deus; e a pedra, que erigi por coluna, será a casa de Deus; e de tudo quanto me concederes, certamente eu te pagarei o dízimo” ( Gn 28.20-22). Há alguns anos, eu acompanhava um pastor em uma visita a um outro colega obreiro de uma cidade vizinha a nossa. Ali chegando, enquanto aguardávamos a hora do almoço, os pastores presentes aproveitavam o tempo com assuntos informais. As conversas giravam em torno da vida da igreja. Não sendo ainda um obreiro com funções pastorais, eu apenas observava de “fora” aquele saudável debate. Pois bem, a certa altura daquele debate teológico, um dos pastores pôs no centro das discussões a falta de vitalidade espiritual na vida de muitos crentes.
Ele achava que uma espécie de apatia parecia dominar a vida de muitos cristãos. Observou que essa “mornidão” sempre existiu, mas que na época presente a coisa parecia ter crescido em escala geométrica. Era algo com proporções nunca vista. Em palavras mais simples, a percentagem de crentes frios na presente dispensação da igreja, era de longe superior a de outros tempos. Qual a razão para isso? Era a pergunta que todos os presentes sentiram-se forçados a fazer naquele momento. Observei que dentre os pastores presentes, muitas explicações consistentes foram dadas, mas jamais me esquecerei daquela que um dos obreiros deu naquele momento.
Na sua fala simples, porém sem ser simplista, ele disse que esse esfriamento ocorre por conta da falta de compromisso com Deus por parte de muitos crentes. Destacou no final de seu argumento a pratica bíblica do voto como algo que estava sendo esquecido. Acrescentando em seguida que muitos crentes hoje desconhecem até mesmo o que seja um pacto com Deus. Sob muitos aspectos, destacou, o voto na cultura bíblica revelava propósitos específicos da vida dos crentes. Embora já se tenham passados muitos anos, todavia nunca me esqueci daquela cena. Ela me marcou.
Ao se referir ao voto como algo a ser observado em nossos dias, aquele obreiro fez-me refletir sobre a validade dessa prática bíblica. Todavia estou consciente, devido ao atual contexto da fé evangélica brasileira, das reações contrárias que podem surgir. Em um contexto onde se loteia o céu; onde ainda outros fazem barganha da fé, é compreensível que surjam vozes discordantes da observância de determinadas práticas ou princípios bíblicos. Isso pode parecer legalismo. Todavia não tenho a menor dúvida da validade do voto. À propósito, William Masselink destaca algumas razões que justificam a prática do voto a Deus em nossos dias.
1. O voto é um promessa feita a Deus. O que pode ser uma expressão de gratidão por algum favor outorgado, ou uma promessa no sentido de manifestar gratidão por algumas bênçãos desejadas, caso Deus ache por bem outorgá-las. Neste aspecto o voto bíblico não pode ser confundido com a “promessa” católica, uma vez que esta é feita a um “santo”, enquanto aquele só poderia ser feito a Deus.
2. A Bíblia contém muitas injunções sobre a observância do voto. Não deve, portanto, o voto ser visto como uma barganha. Uma espécie de “toma lá dá cá”. O voto deve ser feito como uma expressão de devoção piedosa do crente a Deus. O Dr. Clyde T. Francisco ao se referir ao voto de Jacó, observa que “algumas pessoas têm criticado este ato como tentativa típica de uma barganha com Deus, mas ele estava longe disso. Jacó não pediu fama nem riquezas. Tudo o que ele desejou foi pão e roupa, até poder voltar.
Este fato, por si mesmo, nos informa que essencialmente ele não era pessoa egoísta.” A passagem de Gn 28.20-22 é a primeira referência bíblica sobre a pratica do voto. Mas como bem observou o rabino Meir Matzliah Melamed, “em todas os tempos tanto na alegria como no sofrimento o homem sentiu a necessidade de estender seu coração a Deus por meio de votos e promessas. Mas afinal o que é, portanto, um voto? William Gesenius, renomado hebraísta, nos dá a definição para a palavra hebraica nadar, traduzida como “votar”. Gesenius diz que um voto significa: “Prometer voluntariamente fazer ou dar alguma coisa”. Gesenius ainda observa que a expressão mais completa nadar neder, é traduzida literalmente e de forma redundante como: “votar um voto” (Jz 11.39; 2 Sm 15.8). O voto, portanto, é uma promessa que alguém assume perante a divindade.
No conceito dado, fica em destaque que quando alguém quer fazer algum voto, deve fazê-lo voluntariamente. Todos os interpretes fazem questão de destacar a voluntariedade do voto. W.Massilink observa que um voto “significa uma obrigação ou promessa voluntária feita a Deus”. De fato a voluntariedade é um elemento essencial para que um ato se configure como moral. Em outras palavras, só seremos responsabilizados por aqueles atos que praticarmos voluntariamente. No caso do voto bíblico, ninguém era obrigado a fazê-lo. “Abstendo-te de fazer o voto, não haverá pecado em ti” ( Dt 23.22).
Por outro lado, uma vez feito o voto, havia a responsabilidade de cumpri-lo. “Quando fizeres algum voto ao Senhor, teu Deus, não tardarás em cumpri-lo; porque o Senhor teu Deus, certamente, o requererá de ti, e em ti haverá pecado”. (Dt 23.21); “Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos. Cumpre o voto que fazes” (Ec 5.4). Antes de se fazer um voto é necessário ter consciência do compromisso que estamos assumindo. Poderei cumprir esse voto? Lembro-me que um irmão me procurou certa vez. Ele demonstrava estar insatisfeito com o líder da congregação da qual ele fazia parte.
Querendo saber a razão do seu descontentamento descobri que era algo relacionado a um voto que ele havia feito. Ele votara a Deus dizendo que se o Senhor lhe desse vitória em algo que ele havia pedido, então ele em cumprimento do voto feito realizaria um culto semanal em sua casa. Sempre as terças-feiras. Tendo alcançado o favor do Senhor, aquele irmão viu-se em dificuldades para cumprir seu voto. O dirigente da congregação disse-lhe, com razão, que ele não deveria ter feito um voto que dependesse de terceiros para que pudesse ser cumprido.
A igreja tinha a sua própria agenda e não poderia viver em função do voto daquele irmão. A questão não é, portanto, simplesmente votar, mas o que estamos votando e de que maneira poderemos cumprir os nossos votos. O caso de Jefté é bem conhecido (Jz 11.30,35-36,39). Os versículos citados deixam claro que Jefté não tencionava que sua filha fosse o objeto de cumprimento de seu voto precipitado. “Fez Jefté um voto ao Senhor e disse: Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do Senhor, e eu o oferecerei em holocausto”( Jz 11.30,31).
Todavia a forma vaga e precipitada como fez o seu voto foi a causa do seu posterior lamento. “Quando a viu, rasgou as suas vestes e disse: Ah! Filha minha, tu me prostras por completo; tu passaste a ser a causa da minha calamidade, porquanto fiz voto ao Senhor e não tornarei atrás (Jz 11.35)”.
Por último, convém observar que de acordo com as Escrituras não podemos oferecer como voto ao Senhor aquilo que já lhe pertence ou que por Ele é proibido. Por exemplo: o dízimo já é do Senhor, não poderei fazer um voto tencionando pagá-lo com ele (Ml 3.10). Aquilo que é fruto de alguma coisa impura ou abominável também não pode ser objeto de voto (Dt 23.18). O voto, portanto, deve ser visto como uma forma de manifestação da graça de Deus, e com a qual Ele quer nos abençoar.
Fonte: Pr. J. Gonçalves
0 comentários:
Postar um comentário
Todo tipo de comentário desrespeitoso será deletado.